“É comum que um jogador realize um cálculo profundo e complicado, mas falhe em perceber algo elementar já no primeiro movimento.” – Alexander Kotov, Grande Mestre de Xadrez
Introdução
O impacto do câmbio nos lucros corporativos e no direcionamento deve estar em mente tanto para as empresas quanto para a comunidade de analistas. De fato, mais de 45% das receitas das empresas do S&P 500 têm origem internacional. Porém, no ano passado, o desempenho de hedge de muitas multinacionais americanas foi muito abaixo do esperado, e poucos diretores financeiros explicaram suas decisões de hedge em chamadas de ganhos.
Por que esse desempenho de hedge tem sido tão ruim? Afinal, os provedores de sistemas de gestão de tesouraria afirmam oferecer capacidades de “apertar o botão” para limitar o impacto do câmbio dentro de US$ 0,01 dos ganhos por ação (EPS, na sigla em inglês). A resposta pode não ser tão elusiva quanto alguns imaginam. Embora hedge de ganhos tenha seus desafios, incluindo estimativa de exposição e questões contábeis, poucas empresas efetivamente fazem hedge do risco de ganhos para o lucro consolidado.
Aproximadamente 60% das empresas citam a mitigação da volatilidade dos ganhos como um objetivo-chave de gerenciamento de risco, mas menos de 15% fazem hedge da exposição de tradução de ganhos, de acordo com uma pesquisa do Citibank. Isso traz uma questão intrigante de finanças comportamentais: as diferentes tratativas contábeis do hedge de risco de transação no nível da subsidiária e do risco de tradução no nível do lucro consolidado podem estar influenciando indevidamente a tomada de decisão prudente, resultando em uma transferência da contabilidade financeira para a contabilidade mental.
Perguntas-chave a serem consideradas incluem: os diretores financeiros e tesoureiros corporativos estão tomando decisões de hedge eficazes? Estão substituindo a efetividade por questões contábeis, tomando decisões com base em considerações contábeis? Há muito risco de carreira em realizar hedges de valor justo?
Em um nível mais amplo, qual é o benefício de categorizar o risco cambial? Será contraproducente classificar exposições cambiais em categorias específicas – transacionais, de tradução ou estruturais?
A Fungibilidade do Câmbio: Um Risco, Três Formas
A fungibilidade do câmbio é fácil de ser subestimada. Por exemplo, para melhorar o equilíbrio entre receitas e custos de produção, empresas com sede na União Europeia podem reduzir seu risco estrutural ao transferir as instalações de produção para os Estados Unidos. Porém, estarão apenas substituindo um risco central por outro: transacional pelo de tradução.
Além disso, se uma subsidiária reinvestir seus ganhos em vez de distribuir dividendos para a empresa-mãe, então o risco transacional não realizado no período correspondente acumulará para se equiparar ao risco de tradução do lucro consolidado. A diferença entre riscos transacionais e de tradução não é fundamental, mas uma questão de tempo.
Hedge vs. Contabilidade
As regras contábeis permitem três tipos de hedge: valor justo, fluxo de caixa e hedge de investimento líquido. Hedges de valor justo resultam no reconhecimento de ganhos ou perdas derivativos no demonstrativo de resultados do período atual. Com hedges de fluxo de caixa e hedge de investimento líquido, os ganhos ou perdas derivativos do período atual são diferidos por meio do outros resultados abrangentes (OCI), que é registrado na seção do patrimônio líquido do balanço.
De acordo com as normas IFRS, dividendos entre empresas só podem ser hedgeados de forma transacional uma vez que tenham sido declarados. Isso oferece proteção para o período entre a declaração e o pagamento, que geralmente é muito curto para reduzir significativamente o risco. Se as empresas tendem a executar mais hedges de fluxo de caixa do que hedges de valor justo – que podem cobrir períodos mais longos de exposição estimada, mas devem ser registrados no demonstrativo de resultados – então não deve ser surpresa que impactos adversos do câmbio ocorram quando as condições macro se deterioram ou durante períodos de valorização rápida do dólar.
Existem formas de contornar a desfavorável tratativa contábil em relação aos hedges de ganhos: uma forma é classificá-los como hedge de investimento líquido sempre que possível, pois têm mecanismos de reconhecimento similares aos hedges de fluxo de caixa. Através de empresas controladoras ou centros de tesouraria regionais, algumas multinacionais empregam soluções contábeis favoráveis para gerenciar questões genuínas de tempo, que também podem incorporar hedges econômicos e estruturais.
Apesar desses métodos, as questões mais amplas permanecem: por que as empresas de capital aberto são “rotineiramente” surpreendidas pela volatilidade do câmbio? As regras contábeis influenciam as decisões de hedge? Os tesoureiros corporativos tendem a evitar hedges de valor justo e, no processo, ignoram exposições de ganhos? É a situação em que o rabo está abanando o cachorro? Embora o tema possa receber atenção limitada na academia, os profissionais da área de vendas e pesquisa que atendem às empresas sabem que as considerações contábeis frequentemente têm uma influência desmedida nos tipos de “exposições contábeis” que são hedgeadas.
Dinâmica da Sala de Diretores: Responsabilizando o Diretor Financeiro
As salas de diretores precisam de um trabalho melhor para responsabilizar os diretores financeiros. Com muita frequência, discussões sobre o impacto do câmbio nos EPS tendem a trocar o prosaico pelo poético. Nenhuma classe de ativos é melhor que o câmbio para fazer uma elegia sobre tudo o que é macro – desde fundamentos, fluxos, credibilidade institucional a dinâmicas geopolíticas – mas as questões elementares que fundamentam a lógica do que está sendo hedgeado (ou não hedgeado) raramente são feitas.
Da mesma forma, debates sobre tecnologia podem se tornar uma distração das questões subjacentes. Embora as empresas precisem de sistemas que “conversem entre si” e forneçam exposições brutas e líquidas em toda a empresa, a visibilidade impecável em si não é uma panaceia. Como disse Laurie Anderson, “Se você acha que a tecnologia resolverá seus problemas, você não entende a tecnologia – e você não entende seus problemas.”
Políticas de hedge inteligentes abordam o nível de aversão ao risco de uma empresa em relação aos riscos de mercado. A escolha de medidas de risco e benchmarks está intrinsecamente ligada às circunstâncias específicas da empresa: preferências dos acionistas, objetivos corporativos, modelo de negócios, situação financeira e análise de grupos de pares. “Conheça a si mesmo” é um princípio útil nesse sentido. Por exemplo, se uma empresa multinacional no setor de bens de consumo rápido (FMCG) deseja maximizar os ganhos enquanto preserva sua classificação de investimento, então a exposição aos ganhos consolidados deve estar entre as medidas de risco apropriadas. É essencial que as medidas de risco certas sejam buscadas, independentemente das considerações contábeis.
Conclusão
Em resumo, um hedge corporativo eficaz começa com a compreensão da fungibilidade do câmbio: o risco não pode ser “classificado” ou categorizado. Além disso, não há substituto para políticas de hedge cuidadosas e a seleção de indicadores de desempenho que definam o sucesso e garantam uma interpretação e preços consistentes do risco em toda a empresa. Essas políticas também devem abordar a tensão entre os objetivos centrais de hedge e as considerações contábeis.
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Todos os artigos são opiniões do autor. Dessa forma, eles não devem ser interpretados como conselhos de investimento, nem refletem necessariamente as opiniões do CFA Institute ou do empregador do autor.
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